Autodeficiência - Hábito de criar desculpas antecipadas para evitar frustração

Cada nota baixa em exames, prazo estourado e projeto fracassado oferecem a oportunidade de tentar novas desculpas. Houve uma explosão em casa. Um gato doente. Uma emergência no trabalho.

Isso para não falar no trânsito: se ele estivesse mais livre...

Esse tipo de conversa é tão familiar que a maioria das pessoas rapidamente o descarta, mesmo quando sai de sua própria boca.

Essa é uma razão pela qual os verdadeiros criadores da desculpa – e há milhões deles – não esperam o problema para praticar sua técnica. Eles a amarram cuidadosamente antes de buscar um objetivo ou apresentar um desempenho. Suas desculpas vem pré-anexadas: nunca ia às aulas. Estava de ressaca na entrevista. Eu não tinha idéia do que era exigido na inscrição da faculdade.

"Isso é uma verdadeira autossabotagem, como beber pesadamente antes de uma prova, faltar aulas práticas ou utilizar equipamentos muito ruins", diz Edward R. Hirt, psicólogo da Universidade de Indiana. "Algumas pessoas fazem isso demais, e muitas vezes não fica claro se elas estão inteiramente conscientes do que fazem – ou de seu preço."

Psicólogos estudam esse tipo de comportamento desde 1978, quando Steven Berglas e Edward E. Jones usaram o termo "autodeficiência" para descrever estudantes que, em estudo, escolheram tomar um remédio que lhes foi dito que inibiria seu desempenho numa prova (a droga era, na verdade, um placebo).

A compulsão vai muito além de uma mera diminuição de expectativas e tem mais a ver com a proteção da própria imagem do que com conflitos psicológicos enraizados no desenvolvimento precoce, no sentido freudiano. Pesquisas recentes ajudaram a esclarecer não só quem é inclinado à autodeficiência, mas também suas consequências – e seus possíveis benefícios.

Na concepção original, Berglas e Jones identificaram a autodeficiência em estudantes que receberam a informação de que haviam gabaritado um teste composto de perguntas impossíveis de se responder. Eles haviam "obtido sucesso" sem saber como ou por que. "Essas são as pessoas que escutam que são brilhantes, sem saber como essa inferência é produzida", diz Berglas, hoje treinador executivo na região de Los Angeles. Ele conta que compreendeu o impulso; ele mesmo experimentou drogas pela primeira vez no colegial justo antes de fazer o SAT (exame educacional padronizado dos EUA), no qual esperava-se que ele obtivesse um resultado perfeito – uma façanha irresponsável que oferecia uma semente para a teoria.

A compulsão de atirar no próprio pé parece ser mais forte nos homens do que nas mulheres. Em pesquisas, Hirt e outros colegas mediram essa tendência ao pedir que as pessoas avaliassem em que grau uma série de 25 afirmações descrevia seu próprio comportamento – por exemplo, "Eu tento não me envolver muito intensamente em atividades competitivas para não me machucar muito, caso perca ou não me saia bem". Os homens tendem a obter pontuações mais altas nessas medições e, em estudos de laboratório, a colocarem obstáculos mais severamente.

Porém, dada uma oportunidade, e uma boa razão, a maior parte das pessoas alegará alguma deficiência. Em artigo publicado no último verão, Sean McCrea, psicólogo da Universidade de Konstanz ,na Alemanha, descreveu experimentos nos quais manipulava os resultados de participantes numa variedade de testes de inteligência. Em alguns, os participantes podiam escolher se preparar antes de realizar o teste ou podiam se juntar ao grupo "sem treinamento".

De forma bastante óbvia, McCrea descobriu que aqueles com notas baixas culparam a falta de treinamento, se pudessem, e que citar essa deficiência amortecia o golpe em sua autoconfiança.

Mas a deficiência também teve outro efeito. E outro experimento, participantes com boas desculpas para suas notas baixas – barulhos que distraíam, causados por fones de ouvido usados durante o exame – estavam menos motivados a se preparar para um teste subsequente do que aqueles sem desculpas. "A deficiência lhes permitia dizer, 'Considerando tudo o que passei, na verdade me saí bem'", disse McCrea, em entrevista por telefone. "E não há uma iniciativa para melhorar".

O constrangimento é, de alguma forma, a principal semente da motivação.

Como estratégia de curto prazo, a autodeficiência é muitas vezes mais que um exercício de autoilusão. Pesquisas com estudantes colegiais descobriram que os autodeficientes habituais – que cabulam muitas aulas; perdem prazos; não compram o livro indicado – tendem a se avaliar como dentro dos melhores 10% da classe, embora suas notas oscilem entre C e D.

Aqueles com bons resultados, apesar de seus flertes com a desordem, normalmente crescem cada vez mais admiradores da própria deficiência, seja ela a bebida, as drogas ou o desafio às regras.

"Com o sucesso, as expectativas sobem, e o comportamento torna-se mais extremo", diz Berglas, autor de "Reclaiming the Fire: How Successful People Overcome Burnout" (Random House, 2001).

No entanto, a tática não engana a todos. Em recente estudo, James C. McElroy, da Universidade Estadual do Iowa, e J. Michael Crant, da Norte Dame, fizeram com que 246 adultos avaliassem o comportamento de caráter em diversas anedotas de escritório. As opiniões dos participantes sobre um personagem começaram a azedar após a segunda vez em que a pessoa citou uma deficiência.

"Se você faz isso com frequência, os observadores atribuem seu desempenho a você, mas começam a ver tudo como parte de sua disposição, isto é, você é um reclamão", escreveu McElroy em mensagem de email. "Mas você pode evitar que isso aconteça se outra pessoa fizer a colocação de obstáculos por você, mesmo se fizerem isso muitas vezes."

Isso também é notório entre os bons criadores de desculpas: para melhores resultados, recrute um apologista.

O mais importante para alguns é que não importa o método para evitar considerar a explicação alternativa.

"É como a fala do velho filme de Marlon Brando, ‘Sindicato dos Ladrões’: ‘Eu poderia ter sido um competidor,’" disse Hirt. "No longo prazo, para algumas pessoas pode ser mais fácil viver com isso do que saber que fizeram seu melhor e fracassaram."

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